quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Separatismo sulista: uma breve análise histórica e antropológica.



O movimento separatista O Sul é Meu País surgiu, oficialmente, no ano de 1992 durante o 2º Congresso Separatista ocorrido entre os dias 18 e 19 de julho, em Laguna, no estado de Santa Catarina, pelo político Adílcio Cadorin. [1] Segundo o site oficial do grupo, “somos apenas a continuação da História, [sendo que] sob várias denominações nosso grupo já existe há mais de duzentos anos”. [2]
A relação que o grupo faz com os antecedentes históricos da política brasileira concerne aos múltiplos eventos de cunho separatista ocorridos no Sul do Brasil durante o período imperial. Dentre estes eventos o grupo cita a Guerra dos Farrapos (1835-1845) e a República Juliana (1839) [3], sendo que enfatiza-se a permanência do sentimento essencialmente separatista de outrora nos dias atuais como forma de legado cultural [4]:


Por fatores semelhantes aos atuais, nossos ancestrais já empunharam a bandeira da Independência e da Autonomia. A República Juliana e a República Rio-Grandense são testemunhas seculares de que não estamos fazendo nada de novo, apenas dando vazão ao centenário ideal de autodeterminação que vem sendo cultivado pelo nosso povo. [...] outros movimentos políticos ocorridos nas diversas regiões que compõem os três Estados Sulistas, nos legam a consciência de que a falta de autonomia sempre foi objeto de insatisfação Sulina, seja plena ou parcial, motivo pelo qual entendemos que somos a continuação de uma história inacabada, que nos outorgou fortes exemplos de que somos herdeiros de uma personalidade aguerrida e que sabemos lutar para defender nossos ideais. [...] Somos um povo que tem seu passado escrito com o sangue e o trabalho de nossos ancestrais, e exatamente por termos consciência deste patrimônio histórico [...] queremos ser os responsáveis pelo nosso destino.


Dentre as causas que fundamentam o posicionamento do movimento, os membros se posicionam afirmando que “[...] porque nada mudou daquelas épocas até hoje, porque continuamos sendo espoliados cultural e economicamente, hoje, estamos aqui novamente [...]”. [5] Luvizotto [6] afirma que no plano econômico


[...] o discurso da emancipação enfatiza a importância da economia gaúcha, os investimentos de capital que os próprios gaúchos ali realizam, além dos excelentes indicadores sociais. Os separatistas apontam a drenagem de recursos que os demais estados brasileiros realizam no Rio Grande do Sul, apostando na emancipação como alterna­tiva para que os recursos regionais permaneçam no estado, favorecendo o crescimento da República Federal do Pampa. Procuram destacar que o novo país não dependeria em nada do Brasil, uma vez que os recursos locais seriam suficientes para a implantação de uma nova máquina administrativa.


Mas evocando os laços históricos que os ligam aos eventos separatistas ocorridos no Sul do Brasil, o movimento [7] acredita numa busca pela


[...] própria identidade, tanto como ser individual, quanto ser social e coletivo. É a busca, portanto, do “eu” nacional. Nesse sentido, muito antes de simples remarcação de fronteiras geográficas, está a busca das fronteiras do próprio eu. E dentro da concepção que a nacionalidade é fenômeno subjetivo, psicossociológico, esse mesmo povo tem uma nacionalidade específica, diferente dos outros povos dos “brasis”, apesar de constar uma errônea nacionalidade nas carteiras de identidade forjadas no ordenamento jurídico.


Segundo Luvizotto [8], para os separatistas essa identidade foi construída com base no modelo de colonização utilizada no Sul, bem como na própria resistência dos farrapos; destarte, a autora também enfatiza a forte concepção ideológica, por parte dos sulistas, de um estado do Rio Grande do Sul grande e poderoso. [9]
No entanto, embora o grupo ressalte o caráter histórico do sentimento nacionalista presente no Sul do país (ou seja, a permanência do sentimento regionalista presente em eventos como a Guerra dos Farrapos e a República Juliana), ressalta, igualmente, o atual caráter pacífico pregado pelo movimento – caracterizando uma clara ruptura com a belicosidade dos antecedentes históricos separatistas ocorridos no Sul do país durante o período imperial (uma vez que o grupo O Sul é Meu País defende formas pacíficas e democráticas de atingir a autodeterminação dos povos sulistas, descartando o conflito armado como opção). [10]

***

Conclui-se, através da análise realizada, que o movimento O Sul é Meu País claramente enaltece o sentimento separatista presente nos eventos históricos da Guerra dos Farrapos e da República Juliana, enfatizando a atualidade do sentimento e assim demonstrando, portanto, permanências históricas referentes à falta de autonomia e do reconhecimento da autodeterminação do povo Sul brasileiro. O grupo defende a existência de um povo com características próprias – tanto culturais quanto econômicas –, enfatizando o quanto o Sul do país é espoliado em nome de um país corrupto ao qual efetivamente não pertence.
Quanto às rupturas, torna-se claro que o movimento O Sul é Meu País refuta a belicosidade pregada outrora pelos movimentos separatistas do Sul (como no evento protagonizado pelos farrapos à frente de Giuseppe Garibaldi), enaltecendo, em contrapartida, que a busca pela autodeterminação dos povos dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná deverá ser feita de forma pacífica e dentro dos trâmites legais pregados pela Constituição de 1988, bem como pelas resoluções internacionais de autodeterminação promulgadas pelas Nações Unidas (Resolução nº 1514 [XV]).





[1] WIKIPÉDIA. O Sul é Meu País. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Sul_%C3%89_o_Meu_Pa%C3%ADs#Formas_de_atua.C3.A7.C3.A3o_e_propaganda>. Acesso em: 28 out. 2012.
[2] O SUL É O MEU PAÍS. Quem somos. Disponível em: <http://www.meuSul.net/beta/QuemSomos.html>. Acesso em: 28 out. 2012.
[3] Id.
[4] O SUL É O MEU PAÍS. Carta de Princípios. Disponível em: <http://www.meuSul.net/beta/Carta-Principios.html>. Acesso em: 28 out. 2012.
[5] O SUL É O MEU PAÍS. Quem somos. Disponível em: <http://www.meuSul.net/beta/QuemSomos.html>. Acesso em: 28 out. 2012.
[6] LUVIZOTTO, Caroline Kraus. Cultura gaúcha e separatismo no Rio Grande do Sul. São Paulo:
   Cultura Acadêmica, 2009. p. 45.
[7] O SUL É O MEU PAÍS. Manifesto libertário. Disponível em: <http://www.meuSul.net/beta/ManifestoLibertario.html>. Acesso em: 28 out. 2012.
[8] LUVIZOTTO, op. cit., 2009, p. 43.
[9] Id.
[10] O SUL É O MEU PAÍS. Manifesto libertário. Disponível em: <http://www.meuSul.net/beta/ManifestoLibertario.html>. Acesso em: 28 out. 2012.


C. K. Luvizotto - Cultura Gaúcha e Separatismo Sulista: