Embora os vikings possuíssem um sistema de escrita
(o rúnico), não produziram literatura escrita, mas sim uma vasta tradição
oral.[1] As fontes escritas existentes sobre a mitologia nórdica
referem-se às compilações feitas entre os séculos VIII e XIII, já sob
influência cristã (uma vez que, ao colonizar a Islândia, os próprios islandeses
incumbiram-se da tarefa de registrar os principais mitos e tradições).[2]
No entanto, uma das fontes mais completas sobre a mitologia nórdica
concerne ao trabalho do poeta e historiador islandês Snorri Sturluson, que
compilara todos os mitos nórdicos de que tivera conhecimento em seu Edda
em prosa[3], um manual de poesia escáldica em três partes cujo
prefácio, o Gylfaginning, é uma introdução à panteologia
nórdica.[4]
Sobre a tradição mitológica dos vikings,
Wilkinson[5] afirma que:
Os grandes mitos nórdicos tratam dos grandes temas:
a criação do cosmo, as batalhas e amores dos deuses e o fim do mundo. Os
nórdicos imaginaram diversas raças de seres mitológicos – de gigantes a anões –
que habitam mundos diferentes, paralelos ao nosso, o qual é conhecido como
Midgard. A cultura das divindades é bélica e heroica, e o mundo mítico e real
se encontram em Valhalla, o grande salão da divindade maior, Odin, onde as
almas dos heróis humanos mortos recebem seu galardão celeste.
O Gylfaginning apresenta a
cosmogonia presente nos poemas do Edda (Vafthrúdhnismál
Grimnismál e Voluspá)[6], contando como o
mundo surgira a partir do vazio primordial – chamado Ginnungagap. Aos poucos
então foram surgindo dois reinos nas extremidades desse vazio: Muspelheim,
região do calor e do fogo localizada ao sul; e Niflheim, região do frio e do
gelo, localizada ao norte.[7] Do encontro entre os ares de Muspelheim e
Niflheim surge o primeiro ser, um gigante de gelo chamado Ymir, do qual
surgiram outros gigantes e a vaca Audhumla.[8] Do leite de Audhumla os
gigantes alimentaram-se, e com o tempo mais gigantes surgiram (como Buri, Bor,
Bestla e Bolthorn), sendo que do relacionamento entre Bor e Bestla sugiram três
filhos: Odin, Vili e Ve.[9]
O mito conta que os três irmãos mataram Ymir e
construíram o mundo a partir do seu corpo – sendo que Midgard concernia à
morada dos homens, e Asgard à morada dos deuses (com todos os mundos sendo
sustentados pela árvore Yggdrassil, axis mundi).[10] O casal
primordial fora criado por Odin, sendo Askr o primeiro homem e Embla a primeira
mulher (sendo ambos criados a partir de árvores).[11]
Os deuses eram então divididos em diferentes
classes: os Aesir (deuses celestes, representados por Odin, Vili e Ve) e os
Vanir (divindades da Terra, representados por Njord e seus filhos Freyr e
Freyja).[12]
A forma de adoração destes deuses em geral estava
associada a sacrifícios rituais por enforcamento, além de saques e pilhagens
durante a experiência religiosa do berserkr (furor assassino e
de invulnerabilidade chamado de “pele de urso”)[13]; quanto ao culto destes
deuses, sabe-se que Odin gozava de popularidade somente entre os jarls (nobreza
nórdica), sendo que entre o estrato dos kalrs (homens livres)
o deus mais popular era Thor.[14]
Acreditava-se que Odin vivia num salão ostentoso
chamado Valhalla (ou “salão dos mortos em batalha”), no qual recebia as almas
dos guerreiros nórdicos mortos em batalhas, recompensando-os com presentes e
honrarias.[15] Era aqui também que os guerreiros banqueteavam-se com carne
de javali e com o hidromel servido pelas valquírias, além de treinarem para o
evento escatológico chamado Ragnarök.[16]
Segundo a escatologia nórdica o fim do mundo estava
ligado às ações do deus metamorfo Loki (pertencente à categoria dos deuses
trapaceiros)[17], que em uma de suas malfeitorias causara a morte do deus
Balder, filho de Odin; destarte, somado a esse feito, a própria árvore
Yggdrassil teria sua folhagem devorada pelos cervos Dáin, Dvalin, Dúneyr e
Durathrór, com sua casca em processo acelerado de apodrecimento e a raiz sendo
roída pela serpente Nidhogg.[18] Durante este processo, Loki – até então
aprisionado desde a morte de Balder –, libertar-se-ia de seus tormentos e
convocaria todas as forças contra os Aesir: junto de si traria seu filho
Fenrir, um lobo gigante; a serpente Jörmungand; a deusa Hel, além dos gigantes
do fogo e do gelo.[19]
Wilkinson [20] apresenta as consequências
do embate final:
A luta será cruel e não haverá vencedores. Bem e
mal serão destruídos. Por fim, só restará da população do universo uma enorme
montanha de cadáveres. Os únicos sobreviventes serão o gigante do fogo Surt,
além de um casal de humanos e uns poucos animais que tiverem conseguido se
ocultar entre os galhos da árvore do mundo, Yggdrassil. Surt fará dos cadáveres
uma grande fogueira para ter certeza de não haver sobreviventes entre eles,
eliminando de vez do universo todos os monstros e espécies de demônios e elfos.
O fogo destruidor seguirá queimando por anos a fio e a Terra afundará no mar.
Após a consumação do fim deste mundo, um novo mundo
surgiria, no qual Balder seria o novo senhor de um universo sem a nódoa do
mal.[21]
REFERÊNCIAS
ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan Petru. Dicionário de
religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
WILKINSON, Philip. Mitos & lendas: origens e
significados. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
[1] WILKINSON, Philip. Mitos &
lendas: origens e significados. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 89.
[2] Id.
[4] ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan Petru. Dicionário de religiões.
São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 153
[7] WILKINSON, Philip. Mitos &
lendas: origens e significados. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 90.
[10] ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan Petru. Dicionário de religiões.
São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 154.
[12] WILKINSON, op. cit., 2010, p. 91.
[13] ELIADE, op. cit., 2003, p.
157.
[15] WILKINSON, op. cit., 2010, p.
99.
[16] WILKINSON, Philip. Mitos & lendas: origens e significados. São Paulo: Martins Fontes,
2010. p. 99.
[17] ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan Petru. Dicionário de religiões.
São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 155.
[18] Ibid., 2003, p. 155-156.
[20] WILKINSON, op. cit., 2010, p. 98.